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O dia em que eu fui sequestrado

Dez da noite ontem, quatro da manhã no Brasil.  Toca o meu celular, chamada da casa dos meus pais.  Com meus pais já numa certa idade, é o telefonema que eu não quero receber.  Atendo já me preparando para o pior.  É a minha mãe.  Muito nervosa.

Aparentemente, eu fui sequestrado.  E os sequestradores ligaram para os meus pais e me botaram para chorar no telefone.  E queriam cinco mil reais.  Pô, eu acho que eu valho mais que isso.

Já tinha ouvido falar desse golpe, ontem chegou a minha vez.  Ainda bem que os meus pais souberam conduzir a coisa e ligaram para mim e para a polícia.

Eu reclamo prá caramba, mas eu vivo em um lugar onde eu posso ir às duas da manhã tirar dinheiro do caixa eletrônico sem problemas.  Onde eu paro no sinal vermelho de madrugada, sem ter que olhar para todos os lados.  Onde eu posso andar pela rua escutando o meu iPod numa boa.  No fundo, eu sou um cara de sorte.

Passe a Caninha Jamel, por favor

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Depois de todos estes anos fora do país, ainda dói. Isso sem falar no aluguel de São Paulinos, Flamenguistas e Aquele Outro Time Cujo Nome Não Será Mencionado e Que Levou Uma Piaba de 3×1 Ontem.   O jeito é pensar em dias melhores, como os da foto acima.

Faço minhas as palavras do Juca Kfouri. E só.

Despertencendo

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Se por um lado eu moro aqui há 15 anos, aqui nunca vai ser a minha casa. Nunca aprendi a gostar de baseball ou futebol americano. Futebol para mim, é e sempre será o do Corinthians. Mas adotei o Thanksgiving numa boa. Um dia em que você convida os amigos “órfãos”, passa o dia na cozinha, assando perus, fazendo tortas, bebendo cerveja e jogando conversa fora sem o consumismo do Natal.

Ao mesmo tempo que às vezes sinto falta do Brasil, sei que não há mais como voltar. Ao longo desse ano descobri que a grande maioria das pessoas que eu chamava de amigos no Brasil são na verdade conhecidos, gente com quem você toma uma cerveja e bate um papo, mas de quem não deve esperar nada mais. Enquanto isso, os meus amigos Americanos (que os Brasileiros gostam de chamar de “frios”), esses sim estavam lá quando eu precisei, mesmo os que moram longe.

Estudei e trabalhei no Japão, na Inglaterra e no Canadá. Saí do Brasil com 22 anos. Não conhecia ninguém nesse país quando cheguei a Boston no dia 26 e Agosto de 1992. Hoje eu penso em Inglês e o Português só é usado quando encontro alguns dos poucos amigos Brasileiros aqui, falo com os meus pais e escrevo neste blog. No Brasil, só a família e alguns amigos de verdade que se contam com os dedos de uma mão.

Estou acostumado a nunca fazer parte de nada. No Brasil, vi logo que não tinha paciência para pagar a cervejinha do guarda, a gorjeta do flanelinha e fazer parte das panelas de que é necessário participar para se chegar a algum lugar profissionalmente. E muito menos lidar com a comédia do absurdo que é ser Brasileiro fazendo piadinhas. Por isso vim para cá. Com todos os defeitos, o conservadorismo, a jequice, a falta de interesse pelo resto do mundo, ao menos por aqui existe alguma meritocracia. E algum espírito de justiça, se não para os outros, ao menos internamente.

Mas às vezes cansa não ter raízes em lugar nenhum, ficar flutuando no vácuo, sem ligações profundas com lugar algum. Por causa de toda a confusão deste ano, não posso sair do país. E vou ter que passar as festas de fim de ano por aqui mesmo, a primeira vez desde 1996, quando fiz o trajeto de Sydney a Perth, na Austrália, surfando e acampando na costa Sul. Acho que vou ignorar as festas de fim de ano solenemente desta vez.

Os Iluminados

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O Brasileiro é um cara bacana, gente boa. É capaz de rir das maiores adversidades. De uma placidez quase Zen, tudo em nome das boas relações. Um povo tolerante, perdoa os pequenos pecados de quem o governa, de quem toma conta de seu dinheiro, de quem faz e executa leis em seu nome, de quem lhe presta serviços e lhe vende mercadorias.

O Brasileiro tem um grande coração. O Brasileiro pensa e considera, e por isso quase nunca está errado; mesmo capaz de notar as falhas de outros, as perdoa. E quem atingiu um nível de iluminação como o do Brasileiro quase nunca tem que pedir desculpas.

O Brasil é uma nação de 150 milhões de Boddhisattvas.

O Brasileiro segue firme na sua compaixão pelas fraquezas dos outros e estoicismo diante das provações do mundo terreno.

Engana-se quem pensa que o Brasileiro é tímido. Porque, sob a capacidade infinita de tudo entender e aceitar, o Brasileiro é, depois de tudo, um forte. Ruge contra as injustiças em editoriais e colunas, enche as ruas em passeatas, vestidos de branco, como convém a um país em busca da iluminação, igrejas e cultos cheios.

Eu não. Estou definitivamente num plano espiritual inferior. Não sei manter a alegria do Brasileiro diante das suas pequenas derrotas cotidianas, do menino no farol à fila da repartição pública. Não tenho essa presença de espírito. Sou o que se comumente chama de babaca, o cara que estraga a festa. Por isso fui embora há quinze anos.

Nos últimos meses, pensei seriamente em voltar a viver no Brasil, cheguei até a procurar emprego. Hoje, com o que leio nos jornais, vejo a roubada de que escapei, em vários níveis.

Brasil, só para passar férias. Aliás, num país que não é capaz sequer de manter seus aviões no ar, talvez nem isso.